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GOPS E ORÇAMENTO DA CÂMARA DE FARO PARA 2009

 

Um mandato de continuidade

A leitura das propostas aprovadas pelo Executivo camarário mostra que, mais uma vez, as GOPs e o Orçamento para 2009 são previsões de mera continuidade dos anos anteriores. Como foram na própria mudança de mandato da vereação anterior para a actual. Aproveito para recordar aqui, como, por esse facto, o PSD se manifestou indignado depois do PS ter, no período da campanha eleitoral, falado tanto em mudança e afinal ter feito um Orçamento para 2006 de completo seguimento do que vinha de trás, do mandato de maioria PSD.

Na opinião do Bloco de Esquerda, assim continuaram até às presentes GOPs e Orçamento, que, embora sejam os últimos deste mandato, permanecem sem mudanças significativas, para já não dizer sem o que seriam as necessárias rupturas políticas.

Apesar da extensa introdução com que o Sr. Presidente da Câmara justifica as propostas agora em discussão. Aí, apresenta duas ou três novidades que, no entanto, não significam qualquer mudança de fundo ou são o natural aproveitamento de projectos vindos de entidades exteriores à Câmara. Falo, por um lado, do Polis da Ria Formosa iniciativa do governo central e, por outro, do projecto de metro de superfície cuja inclusão nestes documentos surge apenas como mais um anúncio no conjunto de intenções para o próximo programa eleitoral, do qual a introdução do Sr. Presidente aparece como o primeiro sinal.

Ficaram no tinteiro, até às promessas da próxima campanha, as incipientes iniciativas de debate das opções estratégicas para o desenvolvimento económico e urbanístico do concelho e a maior participação dos munícipes nas decisões da autarquia, nomeadamente através do chamado orçamento participativo que, na prática, nem sequer foi esboçado.

Refiro ainda que, apesar da boa vontade do Sr. Presidente da Assembleia Municipal, também desta vez, embora não tanto como em anos anteriores, os documentos foram recebidos pelos membros desta Assembleia demasiado em cima da hora para se poder fazer uma análise em pormenor que permitisse uma tomada de posição mais completa e rigorosa.

Objectivos e prioridades das GOPs para 2009

Passo agora, de modo resumido e genérico, a comentar os diferentes objectivos gerais das GOPS para 2009 e do seu peso relativo através dos projectos e das verbas que lhes estão atribuidas. Acentuo quais deveriam ser, em meu entender, as prioridades maiores e como a realidade dos números apresentados não corresponde sequer àquelas prioridades enunciadas na introdução.

Penso que o objectivo do desenvolvimento económico do concelho deveria ser a prioridade da autarquia. Começando na promoção do debate de que modelo e estratégia de desenvolvimento, de quais os sectores a impulsionar e quais os para conter. Do meu ponto de vista, uma estratégia que liberte o concelho da dependência da especulação imobiliária e das grandes superfícies comerciais. Que estimule o aproveitamento dos recursos naturais do mar (a Ria Formosa) e da terra, em que as áreas agrícolas do município são das mais férteis da região, mas vão sendo paulatinamente ocupadas por armazens, urbanizações, hipermercados. Uma estratégia que impulsione a instalação de empresas e indústrias de tecnologia avançada e em áreas inovadoras, sejam as da energia renovável, sejam as de alguma forma ligadas aos recursos naturais. Que aproveite muito mais a existência da universidade, do aeroporto e dos principais serviços públicos centrais cá sedeados. Que estimule também o turismo, mas não ao sabor da anarquia reinante até aqui, ou da sujeição total ao interesse dos grandes empreendimentos, mas que, pelo contrário, dinamize o turismo de natureza, defensor do ambiente e do seu usufruto pela generalidade dos cidadãos.

Porém, nada disto consta nem no correspondente objectivo das GOPs, nem na introdução apresentada pelo Sr. Presidente, pelo menos que fosse, como intenção. Aquele objectivo contém apenas alguns projectos e obras avulsas, 7,8% das verbas para 2009, muito menos se considerarmos o conjunto dos vários anos das GOPs. 

É prioritário também o objectivo do apoio social. Poderíamos dizer que aí há coincidência de intenções. A crise e a crescente desigualdade social que se reflete no aumento do desemprego e da precariedade laboral, nos salários e pensões de miséria, no aumento dos preços e das taxas dos serviços públicos, assim obrigam. Mas, mais uma vez, vai uma grande distância entre a declaração de intenções do Sr. Presidente e a realidade dos números atribuidos para 2009. O objectivo do apoio social na proposta do Executivo corresponde a 4,6% das verbas globais previstas, muito menos no conjunto dos vários anos das GOPs. 

Tirando os objectivos da Protecção Civil e do Saneamento (que continua a não indicar nada do que é investido na FAGAR), o objectivo do apoio social é o mais reduzido dos apresentados para 2009. E, no essencial, nem sequer se tratam de obras da responsabilidade da Câmara mas de particulares que, para além do crescimento da oferta de lugares em creches, lares, etc, com certeza de louvar, não revertem na baixa de custos ou de outras contrapartidas para os munícipes.

Outro objectivo que deveria ser prioritário é o da habitação e do urbanismo. Pelo peso que a habitação tem no orçamento das famílias e pela sua escassez, sobretudo para os agregados mais carenciados. O urbanismo, porque é cada vez mais urgente travar a especulação imobiliária, a delapidação do património, o caos do trânsito e inverter a ausência de espaços verdes. Na proposta camarária, embora este objectivo seja o 2º de maior volume para 2009, tal resulta do grande número de pequenas obras obrigatórias para o enquadramento das novas urbanizações e de manutenção das existentes. Ressalvo os planos de pormenor que, a pouco e pouco, ainda que vários somente no papel, começam a ser elaborados.

Porém, as verbas destinadas à habitação são exiguas (1,4% do previsto para 2009 e nada para os anos seguintes). A grande parte para a habitação a custos controlados (só acessível a famílias já com algum rendimento) e quase nada para a habitação social ou para a recuperação do parque habitacional. 

Finalmente, chamo a atenção para o objectivo da cultura e do desporto que continua sobrevalorizado, sendo aquele a que se destinam as maiores verbas para 2009 (23,5%), e cujo peso, no conjunto dos vários anos das GOPs, ainda se mostra mais exagerado e bloqueador de outras prioridades actualmente bem mais necessárias. Como é sabido, isso resulta não de uma especial paixão da Câmara pela cultura e pelo desporto mas dos encargos decorrentes de um pequeno número de obras megalómanas ou desajustadas, cuja conclusão e manutenção contribuiem para o estrangulamento financeiro da autarquia. Falo em primeiro lugar do Estádio do Parque das Cidades, mas também do próprio Teatro Municipal. Ou ainda, do apoio absurdo que foi dado aos sucessivos erros das direcções do Farense, culminando na alienação do Estádio de S. Luís, mais uma vez para a especulação, sem qualquer contrapartida válida para a maioria dos habitantes do concelho.

Execução das GOPs nos anos anteriores

Faço agora uma curta observação da execução das GOPs nos anos anteriores:

Em 2006 a taxa de execução foi, em média, de 20%. Em 2007 foi de 19%. Para 2008, ver-se-á no relatório do próximo ano, mas pelo nível tão inflacionado que as GOPs para 2009 têm, voltará a ser, de certeza, uma taxa de execução muito baixa.

Assim, torna-se pouco significativo ser posta no papel a previsão de muitas obras que depois não são concertizadas ou que o são apenas em pequena parte.

Verifica-se pela análise da execução das GOPs de 2004 até 2007, que as verbas efectivamente pagas para a construção das obras realizadas têm vindo a diminuir ano após ano. Em contrapartida, os mesmos valores em dinheiro vão dando para construir menos obra, pois vão aumentando os juros e as amortizações necessárias para cobrir os custos e os empréstimos contraidos para a contrução dessas obras.

Por isso, para uma dívida de médio e longo prazo que, entre 2004 e 2007, tem variado na casa dos 30 e tal milhões de euros, o valor da dívida a curto prazo tem crescido imenso, desde os 8 milhões e pouco, em 2004, até mais de 19 milhões em 2007. E assim aumentou, nesse período, em mais de 10 milhões de euros o valor global da dívida da Câmara.

É uma situação cada vez mais difícil de sustentar e que põe a autarquia permanentemente no limite da sua capacidade de endividamento.

É necessário mudar de rumo

Para inverter esta situação é indispensável romper com as opções políticas que, desde há muito, apesar da variação das cores partidárias, comandam e dão continuidade a uma gestão autárquica responsável pelas grandes dificuldades que o município atravessa.

É indispensável conter e reduzir despesas enfrentando de outra forma os custos desastrosos, entre outros casos graves, do Estádio do Parque das Cidades, do Mercado Municipal e do MARF, da Fagar e de outras empresas municipais cuja existência não se justifica e cujas funções devem reverter por completo para o domínio da autarquia, como é o caso da Fagar.

Reduzir despesas através de uma gestão muito mais eficaz dos serviços e dos recursos humanos da Câmara e evitando as acessorias e contratos com entidades privadas que podem ser realizados pelos próprios serviços da autarquia.

Reduzir despesas através da elaboração e execução mais correctas e rigorosas dos projectos de obras e investimentos que permitam menores custos e a contracção de menos empréstimos bancários.

E aumentar as receitas. É certo que este é o objectivo mais difícil e de mais longo prazo face à crise que o país atravessa e se reflecte também no rendimento das empresas e dos cidadãos do concelho. Difícil ainda, se não se quiser alcançá-lo sobrecarregando apenas os impostos sobre os munícipes, nem aumentando ainda mais a dependência face à especulação imobiliária e às grandes superfícies.

Contra esta situação é necessário, como referi a propósito do objectivo do desenvolvimento económico, estimular as actividades ligadas aos recursos naturais e às energias renováveis, a fixação de empresas de inovação tecnológica e promover o turismo de natureza.

Por último, é urgente uma atitude muito mais reivindicativa face ao governo central para conseguir o cumprimento completo das verbas inerentes à lei das finanças locais e das relativas ao aumento das competências transferidas para as autarquias.

É necessário reivindicar a alteração da lei dos solos, para que as mais valias urbanísticas revertam para o orçamento do Estado e dos municípios. Bem como alterar novamente a própria lei das finanças locais para reduzir a dependência permanente de novas construções e aumentar o apoio à recuperação do parque habitacional, a defesa do ambiente e da acção social.

Faro, 19/12/08

O representante do Bloco de Esquerda de Faro

Vítor Ruivo